Coronavírus, força maior e redução de riscos no Comércio Exterior
Observação: Uma versão prévia deste artigo foi publicada originalmente no sítio eletrônico da Aduaneiras, em 11/03/2020 (aqui). Este novo texto possui algumas poucas alterações.
A disseminação do novo coronavírus (SARS-CoV-2), causador da doença respiratória denominada COVID-19, vem impactando o Comércio Exterior com o aumento dos custos logísticos e a quebra de contratos, demandando medidas inovadoras na cadeia global de suprimentos.
Dessa forma, vemos muitas empresas chinesas declarando força maior, uma excludente da responsabilidade em obrigações contratuais. Daí a pergunta: e no Brasil, é possível fazer algo para reduzir tais riscos? Por exemplo, no transporte marítimo, modal que movimenta 95% do comércio exterior brasileiro?
A força maior ocorre quando, diante de circunstâncias como catástrofes naturais, estão presentes três pressupostos: a imprevisibilidade, a inevitabilidade e a irresistibilidade. A sua configuração pode isentar uma parte de deveres contratuais e afastar penalidades e prejuízos.
No direito brasileiro, por exemplo, o transportador pode usar tal excludente, assim como o caso fortuito, e nada mais justo que outros intervenientes da cadeia logística também possam se beneficiar da excludente de força maior, por exemplo diante de despesas extraordinárias de armazenagem ou sobre-estadia de contêiner.
Nesse ambiente, desde janeiro deste ano, o governo chinês tem implementado bloqueios de cidades e períodos de quarentenas que vêm reduzindo o movimento de bilhões de dólares e prejudicado as operações de empresas que se localizam nessas regiões.
Segundo o China Council for the Promotion of International Trade, uma entidade ligada ao governo, a China emitiu 4.811 certificados de força maior até o dia 3 de março de 2020, que abrangem contratos de RMB 373,7 bilhões (cerca de R$ 242,1 bilhões).
Assim, é possível que as empresas brasileiras e estrangeiras que operam no Brasil revejam as cláusulas dos seus contratos, especialmente os de serviços (como o transporte) e de compra e venda internacional, assim como solicitem declaração semelhante das autoridades brasileiras, como a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq).
A declaração de força maior é uma ferramenta útil. Todavia, o seu uso pode ser questionado por contratos que possuem como direito aplicável a lei inglesa, que só permite às partes suscitarem a sua aplicação ante prévia estipulação contratual neste sentido.
Ademais, as cláusulas de força maior no direito contratual inglês geralmente são grandes e detalhistas e enunciam exatamente quais eventos podem ser considerados com força maior. Caberá, contudo, quando o objeto do contrato for executado em território brasileiro, uma discussão no âmbito do Direito Internacional Privado, com base na ordem pública doméstica.
Válido lembrar ainda que a parte que requerer a aplicação da força maior deverá comprovar os pressupostos para que possa sofrer os efeitos da mesma. Não é simples.
Mesmo assim, nesse cenário, é recomendável que as empresas revisem os seus contratos em curso bem como providenciem cláusulas que possam incluir a pandemia do novo coronavírus, para fins de redução de risco e, eventualmente, dos custos das suas operações. Ainda é importante que as partes busquem uma solução consensual, sobretudo evidentemente o vírus não é culpa de nenhuma das partes.
Essa estratégia demonstra boa-fé e o interesse da parte em manter a credibilidade das suas operações. Diante desse ambiente de alto risco, caso as empresas desejem reduzir os seus custos e evitar conflitos desnecessários com os seus clientes ou tomadores de serviços, recomenda-se que procurem assessoria jurídica especializada para análise e eventual revisão dos contratos em curso.