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Seguro para Operador Portuário: decisão do TRF4 sobre enchente no Porto de Itajaí/2008 abre precedente. Veja análise.

Quais cautelas devem ser tomadas pelo operador portuário, corretor de seguros, autoridade portuária, autorizatários, arrendatários ou prestador de serviços na logística do Comércio Exterior, para gerenciar o risco das suas atividades?

Vamos refletir e analisar essas e outras questões a partir da recente decisão do Tribunal Regional Federal da 4° Região que condenou a APM Terminals a ressarcir a União em pelo menos R$ 157 milhões pela obra de reconstrução dos berços arrendados, danificados após a maior catástrofe natural da história de Santa Catarina.

As enchentes de 2008 afetaram 60 cidades do estado, atingiram cerca de 1,5 milhão de pessoas, onde 9.390 ficaram desalojadas, além de 135 mortes. Com a paralisação das atividades na época, estima-se que o Porto de Itajaí tenha sofrido um prejuízo de US$ 350 milhões.

Quase 14 anos após o ocorrido, a recente decisão do TRF aponta para a devida importância de reflexão sobre o tema, pois o risco é alto para quem opera sem cobertura adequada de seguro, como vamos ver a seguir.

A contratação de seguros envolve particularidades, principalmente quando se trata do setor portuário, seja porto seco ou molhado, zona primária ou secundária, seus estabelecimentos e equipamentos, em face de possíveis sinistros nas suas estruturas e operações.

A não observância dessas particularidades pode causar prejuízos milionários.

Breve história do seguro de operador portuário

Imagem: Arquivo Defesa Civil Itajaí

O seguro de transporte historicamente é um dos primeiros tipos de seguros formados e comercializados, pela extrema necessidade de proteção financeira relacionado ao transporte de mercadorias nos modais terrestres no oriente, quando caravanas atravessavam os desertos para a comercialização de camelos e mercadorias; e marítimo com as grandes navegações internacionais.

O Nauticum foenus, empréstimo a risco ou câmbio marítimo (Digesto XXII, 2; editado em 533, e Código Comercial de 1850, arts. 633 a 635) é o embrião do seguro marítimo e depois, o terrestre.

Estas travessias nos mares, rios e lagos eram bastante precárias, inclusive nas operações portuárias delas decorrentes, por isso, os comerciantes firmavam acordos para pagamento de indenização de perdas e danos.

O seguro se originou dos fenícios, cujos barcos navegavam através dos mares Egeu e Mediterrâneo, e passavam por diversos portos precários da região no mesmo período, o que não se vê nos dias atuais. Atualmente há grandes movimentações de cargas a granel, break bulk (de projeto) e geral, em especial, cargas contêinerizadas, que crescem a cada dia, devido à segurança e ao custo baixo nas operações.

Ao observar esse mercado no Brasil, temos o seguro de Operador Portuário Padronizado, que é regulado pela Circular n° 291/2005 SUSEP e suas alterações. A sua contratação cobre operações portuárias e movimentação de carga e descarga e suas instalações, e há poucas seguradoras interessadas nesse mercado, mesmo após abertura do resseguro pelo IRBre.

A obrigatoriedade da contratação do Seguro de Responsabilidade Civil, de Operador Portuário, está no art. 9°, da Portaria n° 111/2013 da SEP – Secretaria Especial dos Portos, que assim descreve:

Art. 9º Consideram-se documentos de comprovação da idoneidade financeira da interessada: (…)

VII – Declaração de empresa seguradora, demonstrando que a empresa candidata à qualificação tem capacidade para obter apólice do tipo Seguro Compreensivo Padronizado para Operador Portuário, conforme as normas da SUSEP – Superintendência de Seguros Privados, no valor mínimo de, pelo menos R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais).

a) O seguro de que trata este inciso será exigido adicionalmente ao seguro devido por arrendatário ou detentor de contrato de uso temporário de instalações portuária para as operações portuárias realizadas no interior dos respectivos recintos, podendo constar de apólice única desde que explicitadas as respectivas coberturas do recinto administrado. (…)

c) A apólice de seguro deverá, obrigatoriamente, conter cláusulas de cobertura a danos ao patrimônio público portuário, ao meio ambiente e a terceiros. (…)

e) As apólices anuais contratadas deverão ser remetidas, por cópia, à Administração do Porto, como condição essencial para o exercício das atividades do operador portuário qualificado. (…)

§ 2º Os valores mínimos das apólices de seguro estabelecidos neste artigo poderão ser adequados a cada situação operacional específica, a critério exclusivo da Administração do Porto, mediante solicitação pelo interessado e apresentação de laudo de avaliação de risco elaborado pela seguradora.

§ 3º Para operações portuárias em que a Administração do Porto tenha indícios de que o valor mínimo de seguro seja insuficiente para cobertura dos riscos envolvidos, esta poderá solicitar de seguradora laudo específico de avaliação dessa operação, para que o valor mínimo a ser segurado seja complementado, mediante análise de risco.

Na Lei dos Portos (nº 12.815/2013) há definições importantes desta atividade, com reflexos no seguro, como o § 3º do art. 1º, que trata do risco do operador:

Art. 1º. (…)

§ 3º As concessões, os arrendamentos e as autorizações de que trata esta Lei serão outorgados a pessoa jurídica que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco.

Da análise dos seguros da Tokio Marine Seguradora S/A, uma das poucas que aceitam este tipo de seguro de operador portuário, constatamos as seguintes coberturas:

Coberturas/Garantias disponíveis:

i)          Acidente com a embarcação ou veículo transportador; ii) Avaria grossa; iii) Catástrofes naturais; iv) Colisão; v) Contaminação; vi) Descarrilamento; vii) Deterioração por descongelamento; viii) Embarque aéreo sem valor declarado; ix) Greves; x) Incêndio; xi) Naufrágio; xii) Operações de carga e descarga; xiii) Quebra; xiv) Roubo; xv) Tombamento.

Há, ainda, outras coberturas particulares e especiais, conforme o tipo de mercadoria, meio de transporte utilizado e a sociedade seguradora escolhida.

A Circular n° 291/2005 SUSEP, em seu anexo VI, define as Coberturas Adicionais do Seguro de Operadores Portuários:

Nº 01) Paralisação  de  Operação  e/ou  Serviços  consequentes  de: Danos  Físicos  a  Equipamentos  de  Manuseio  ou  Interrupção  de Fornecimento  de  Energia:  Bloqueio  de  Atracadouro/Ancoradouro;

Nª 02) Cobertura Adicional de Danos Elétricos;

Nº 03) Cobertura Adicional para a perda/Pagamento de Aluguel de imóvel;

Nº 04) Cobertura Adicional de Despesas com Honorários de Especialistas e/ou Consultores.

É inegável a importância que as operações portuárias possuem para a economia brasileira, prova disso foi a paralisação das operações ocorrida em  2008 com as enchentes no Porto de Itajaí/SC, com a quebra das estruturas dos berços 1 e 2, e uma avalanche de cargas desviadas para outros portos e terminais, deterioradas e abandonadas devido aos danos.

Mas neste caso a seguradora não pagou o sinistro nos berços 1 e 2, mas tão somente de outros danos no estabelecimento, o que aumenta a relevância do seguro, pois um sinistro não é ressarcido, mesmo que parcialmente é suficiente para encerrar as atividades de uma empresa que opera no segmento.

Então o que ocorreu no caso do Porto de Itajaí/SC, para a recusa do pagamento pela seguradora sobre as enchentes de 2008 exclusivamente nos berços 1 e 2, e a condenação do operador portuário a indenizar a União no valor de R$ 157 milhões pelos danos totais?

Imagem: Arquivo Defesa Civil de Itajaí

A análise do caso, a partir da decisão na Apelação Civil nº 5011365-62.2016.4.04.7208/SC, do Tribunal Regional Federal da 4º Região, traz as seguintes lições:

i) Caso a sociedade seguradora não efetuasse a Inspeção de Risco, e/ou Vistoria Prévia, tacitamente assumiria todo o risco na forma em que se encontrava o bem, seja ele imóvel ou móvel, conforme decidem os tribunais, já que nos cálculos atuariais estão incluídas estas despesas para avaliar o risco em questão antes da contratação.

ii) A sociedade seguradora e/ou seu ressegurador neste caso, ao efetuar a inspeção de risco no estabelecimento antes da contratação do seguro de forma adequada, cumpriu seu papel de fazer uma inspeção/vistoria de risco completa e adequada, por profissional qualificado pela ENS-Escola de Negócios e Seguros, Engenheiros, Peritos e levantamento documental. Essa constatou que os berços 1 e 2, deveriam ter sido reformados conforme contrato de arrendamento de 2001, sendo constatada a necessidade desta reforma, conforme fatos passados de enchentes de 1984 e 1985 e na regulação de sinistro.

iii) Ocorre que, até o ano de 2005, essa reforma não havia sido executada, e foi protelada diversas vezes sem o aval da ANTAQ após o arrendamento, o que deixou claro o investimento que deveria ser feito no cais a fim de evitar este desastre e a omissão do operador.

A sociedade seguradora ao firmar o contrato de seguro de Operador Portuário deixou expresso que os berços 1 e 2 não faziam parte do seguro contratado na oportunidade, que abrangia apenas outras partes do estabelecimento que foram indenizados, até que fossem feitas as reformas devidas e programadas em face da instabilidade.

Após as reformas que não foram feitas, nova inspeção  deveria ser realizada  no estabelecimento e, na sequência, se fosse aprovada essa inspeção, seria emitido endosso na apólice de seguros alterando a condição do contrato de não estarem inclusos os berços 1 e 2 no seguro, para que o seguro incluísse os dois berços, com o acréscimo de novos valores e verbas para estes itens  conforme a inspeção de risco/vistoria prévia efetuada pela sociedade seguradora e/ou resseguradora.

iv) A decisão judicial confirmou que a seguradora deixou expresso o pré-requisito de prévia reestruturação do cais e que não teria cobertura técnica dos berços 1 e 2 em caso de desabamento. O princípio do que aquilo que foi acordado deve ser cumprido, o pacta sunt servanda, foi aplicado ao caso concreto, vez que o pacto será obrigatório entre os particulares que manifestarem suas vontades nesse sentido, gerando deveres e direitos, bem como obrigações, não podendo qualquer das partes eximir-se do cumprimento das mesmas.

v) Assim, como o operador portuário não fez as reformas de estaqueamentos no cais e pediu para incluir os berços 1 e 2 com 250 metros no rol de itens assegurados, perdeu o direito à indenização securitária dos danos causados pelas enchentes, de modo que o valor pago pela União para resolver o problema decorrente da enchente  à época, deverá ser ressarcido pela arrendatária.

Diante desse cenário, conclui-se que o seguro portuário é instituto vital para o gerenciamento do risco na operação, todavia, cada operação exige uma análise específica por profissional especializado, a fim de evitar prejuízos como os que se verificam no caso acima, seja antes da contratação, durante a operação e depois.

Assumem relevância, ainda, a inspeção de risco e a regulação de sinistros.  O tema não é simples e  exige que todos os agentes econômicos busquem orientação técnica e jurídica especializada para evitar ou reduzir prejuízos por meio de apólice de seguro adequada, que considere as características e os riscos de cada operação portuária.

Escrito por: José Flávio Commandulli

Advogado Associado do Agripino & Ferreira Advogados, especialista em seguros, professor convidado da ENS – Escola de Negócios e Seguros, com experiência de 35 anos no setor e ex-assessor técnico da Diretoria da Bradesco Seguros.