SETOR PORTUÁRIO – ponderações sobre as novas perspectivas apresentadas pelo atual governo
Em audiência pública da Comissão de Infraestrutura do Senado Federal, realizada no dia 19.04.2023, participou como convidado, o Ministro de Portos e Aeroportos, Márcio França, que trouxe um panorama da infraestrutura aeroportuária brasileira e apresentou quais as perspectivas de atuação do governo neste setor.
Algumas reflexões preliminares, baseadas nos dados apresentados, entre elas, o fato de que nossas operações de comércio exterior representam apenas 3% do que se negocia a nível global e que somos o principal país no tráfego marítimo da América do Sul. Essa informação deve ser referenciada para reflexão sobre causas dessa ínfima participação e, também, quais ações deverão ser implementadas para mudar este cenário pífio.
Outro cenário que merece ampla discussão e análise está relacionado aos efeitos da Lei nº 12.815/13, Lei dos Portos, na ampliação dos Terminais de Uso Privado, fazendo com que atualmente tenhamos 213 TUPs convivendo com outros 35 Portos Públicos. Essa análise é muito mais complexa do que se possa imaginar, uma vez que se criou aí uma série de conflitos decorrentes da natureza jurídica de cada um destes players. A convivência em um mesmo ambiente de negócios, de um TUP que possui menos amarras do que o Porto Público, uma vez que este possui fortes laços com normas do direito público, pois tem seu ancoradouro na previsão constitucional de bem público vital para a soberania nacional.
Visão simplista ou falta de informação especializada do setor?
Há de se criticar a visão simplista do ministro ao apenas afirmar que essa modelagem é harmônica e que nenhuma assimetria existe, quando sabemos que é exatamente o contrário e que necessitamos sim, refletir e enfrentar o problema. Não da forma que o governo anterior vinha conduzindo, ignorando a importância do Porto Público como vital para à soberania e, portanto, inevitável a permanência das Autoridades Portuárias Públicas para fazer valer o que se previu em nossa Constituição. Mas sim, com a atenção merecida à luz do que preceitua a Constituição, ou seja, como infraestrutura de segurança nacional. Enfrentamento que, na verdade, desde a promulgação da Constituição, nenhum governo foi capaz de dar a devida atenção.
Quando o ministro afirma que a relação existente entre portos públicos e TUPs é isonômica, ignora a realidade – que não existe uma competição saudável entre os Portos Públicos e os TUPs. E uma das grandes responsáveis por tal desequilíbrio foi justamente a mesma Lei nº 12.815/13 que tirou do Conselho da Autoridade Portuária o seu poder deliberativo, centralizando as tomadas de decisões em Brasília e fazendo com que todas as Autoridades Portuárias do país, tivesse que peregrinar semanalmente até o coração do Brasil, em busca de soluções que poderiam e deveriam ser objeto de deliberação local, dado as especificidades que cada porto possui, e tornando complexa e morosa a administração dos portos públicos.
Somado a isso, temos ainda outros entraves que se originam no simples fato de que a lei, ao oportunizar o surgimento dos TUPs, simplesmente o fez por clara incapacidade do Estado em atender as demandas de infraestrutura necessárias para termos um mínimo de competitividade no comércio internacional. Um Estado que há muitos anos gasta mal. Que não possui preocupação com o dinheiro público. Chegamos a ter, décadas atrás, uma das maiores frotas de navios mercantes do mundo. Há quase 100 anos atrás, tínhamos centenas de quilômetros de transporte ferroviário. Tudo isso ficou no passado por culpa exclusiva de nossos governantes.
Ora, se é inconteste a importância dos portos públicos para a soberania de nosso país, o que o Estado deve proporcionar é mais do que simplesmente o convívio e competição, como disse o ministro. Deve sim é utilizar da mesma máxima que regula todas as ações do Estado visando a igualdade. Quer seja: tratar de forma desigual os desiguais para com isso, estabelecer a igualdade esperada. Deve fomentar políticas públicas para aumentar o poder de competitividade dos portos públicos frente aos privados, uma vez que jamais poderá deixar de aplicar o arcabouço jurídico do direito público aos portos públicos, o que é sabido, ocasiona a conhecido excesso de burocracia e perda de velocidade na tomada de decisões, se comparado à iniciativa privada (caso dos TUPs).
Por quais caminhos navegar?
Especificamente quanto ao setor portuário, o ministro trouxe algumas projeções que merecem atenção. Mais que isso, merecem fiscalização e acompanhamento para verificar se efetivamente tais recursos serão efetivamente utilizados na forma que ali se apresentou. Não será por falta de recursos financeiros aprovisionados para a modernização dos portos, hidrovias etc., que deixaremos de impulsionar a modernização dos portos públicos, a criação e modernização das hidrovias, a melhor oferta da cabotagem, visando enfim, o equilíbrio eficiente no uso de todos os modais de transporte, diminuindo a dependência do modal rodoviário. Ou seja, este governo tem a obrigação de fazer bom uso desses recursos e realmente dar início a uma nova realidade na logística do transporte e do comércio exterior brasileiro.
Para isso, é necessário que se mantenha o respeito ao dinheiro público e que as decisões sejam tomadas baseadas em expertise e não na política de conveniências. As universidades, os especialistas do setor estão todos à disposição para auxiliar nesse processo. Devemos usar o exemplo de países desenvolvidos, os quais valorizam a pesquisa e o conhecimento e aproximam as universidades e seus pesquisadores das ações governamentais e, também, das empresas privadas, modelo esse que os levou ao patamar de desenvolvimento e participação no comércio internacional, diferente da realidade aqui vivenciada.
Políticas públicas devem ser desenvolvidas valorizando essa aproximação e utilização do conhecimento especializado pois, do contrário, se permanecermos nas políticas de conveniência e compadrio, o suado dinheiro do contribuinte continuará a ser desperdiçado enquanto os países que o respeitam, estarão cada vez mais consolidados e fortalecidos no cenário internacional, nos mantendo na triste realidade de inexpressiva participação nas relações de comércio internacional.
Assim, além de fazer a efetiva aplicação dos recursos financeiros alocados para o aprimoramento do setor portuário, incluindo aqui o fomento ao desenvolvimento das hidrovias e navegação de cabotagem, é salutar que se valorize e respeite as particularidades de cada complexo portuário, e que o governo apresente projeto de lei para alterar a Lei dos Portos, restabelecendo o poder deliberativo dos Conselhos das Autoridades Portuárias, reafirmando a competência exclusiva do poder público para cumprir com a função de autoridade portuária e aumentando a independência da agência reguladora e, inclusive, possibilitando que todos os conflitos existentes no âmbito de atuação da mesma, seja tutelado pela mesma, evitando assim a judicialização e consequente aumento do custo Brasil e insegurança jurídica.
Autor: Adão Paulo Ferreira
Cofundador do escritório Agripino & Ferreira, mestre em Ciência Jurídica, pós-graduado em Direito Contemporâneo, professor de Direito Marítimo e Direito Portuário nas escolas de Direito e Comércio Exterior da Universidade do Vale do Itajaí.