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Vitória dos usuários: TCU vê fragilidades em regulação sobre cobrança de sobre-estadia de contêineres

Órgão concluiu não ter havido omissão da Antaq quanto à demurrage, porém entendeu que escolha regulatória da agência deixou mercado se autorregular quanto ao valor cobrado.

O Tribunal de Contas da União (TCU) apontou fragilidades na regulação da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) sobre a cobrança de sobre-estadia (demurrage) de contêineres. O órgão considerou que, ao deixar o mercado se autorregular quanto ao valor cobrado e enfrentar apenas os casos abusivos que chegam ao seu conhecimento, a agência deixou de analisar questões cruciais e de realizar uma Análise de Impacto Regulatório (AIR) adequada.

O processo foi aberto após denúncia de supostas irregularidades relacionadas à regulação setorial dessa cobrança, apresentada em 2019 pela Associação Brasileira dos Usuários dos Portos, de Transporte e da Logística – Logística Brasil.

A Secretaria de Fiscalização de Infraestrutura Portuária e Ferroviária (Seinfra Porto/Ferrovia) concluiu não ter havido omissão da Antaq quanto à sobre-estadia, porém considerou que a Antaq fez uma escolha regulatória para atacar assimetrias de informação, com a definição de alguns elementos relevantes, deixando o mercado se autorregular quanto ao valor cobrado.

A avaliação da unidade técnica foi que, ao não estabelecer um valor máximo de sobre-estadia, houve um descasamento da solução com os diversos objetivos e preceitos legais relacionados ao transporte aquaviário no Brasil, em especial a modicidade da cobrança final pelo serviço de transporte e tratamento igualitário de transportadores e usuários.

No processo, a Logística Brasil também questionou a Antaq sobre o modelo de cobrança de demurrage de contêiner apresentado na ‘Cartilha de Direitos e Deveres dos Usuários da Navegação Marítima e de Apoio’ e sobre a ausência de regulamentação de critérios para a cobrança da sobre-estadia de contêiner, sobretudo quanto a preços máximos. O TCU solicitou à Antaq o encaminhamento de cópia do processo administrativo que culminou com a aprovação da RN-18/2017 e de estudos sobre a modicidade dos valores diários cobrados a título de demurrage de contêiner.

O órgão apontou que a alternativa escolhida pela Antaq de não limitar os valores máximos que podem ser cobrados a título de sobre-estadia não foi precedida do devido processo de AIR. “A unidade técnica ressaltou, com propriedade, que as alternativas possíveis foram apontadas sem, todavia, a realização de uma análise contundente e robusta do custo-benefício, do impacto ou dos riscos de cada uma das soluções “, destacou o ministro-relator do TCU, Vital do Rêgo, em seu voto.

A Antaq alegou ter realizado a AIR a partir de notas técnicas no processo administrativo que embasou a tomada de decisão. O relator, no entanto, descreveu que a Seinfra Porto/Ferrovia que as análises técnicas contidas nessas notas não se aproximam do modelo ideal de uma AIR do ponto de vista formal, nem do ponto de vista material.

O ministro do TCU considerou que tais análises se limitaram a afirmações de que os debates jurídicos trazem consideráveis impactos regulatórios, que a adaptação dos contratos a um eventual enquadramento jurídico é uma tarefa muito árdua para os transportadores marítimos e que a adoção da natureza de cláusula penal traria enormes prejuízos ao setor.

“A decisão de não limitar o valor da sobre-estadia deveria estar embasada em estudos e da demonstração de que é a solução que assegura maiores benefícios e menos prejuízo à sociedade, sob o ponto de vista do interesse público e do mercado regulado”, acrescentou o ministro Vital do Rêgo em seu voto.

O relator também entendeu que uma das questões primordiais a ser enfrentada é a definição da natureza jurídica da demurrage. O ministro ponderou que ainda não há unificação pela doutrina e jurisprudência brasileira sobre a matéria, sendo enquadrada ora como cláusula penal, ora como indenização por danos materiais. Rêgo sinalizou que, apesar de se tratar de discussão jurídica, há consideráveis impactos regulatórios que não podem ser ignorados.

O ministro mencionou ainda que tal indefinição gerou insegurança jurídica no mercado regulado, aumentando o índice de judicialização da questão, o que afeta os limites quantitativos da cobrança da sobre-estadia e os custos totais do transporte aquaviário de contêiner no Brasil, conforme relatado pelo denunciante. Ele elencou que a definição do enquadramento da demurrage como indenização (reparação pelas perdas advindas pela demora na devolução do contêiner) ou cláusula pela (multa para incentivar a devolução do contêiner) implica em consequências diversas no valor que pode ser cobrado.

O ministro-relator ressaltou também que os contratos de transporte marítimo envolvem atividades de grande complexidade e que o inadimplente do contrato pode tanto ocorrer por força de eventos da natureza (deslizamento de encosta, tempestades, enchentes) quanto por fato de terceiro alheio à relação contratual (greve de auditores fiscais, atraso na liberação da mercadoria, interrupção de vistorias).

Em seu voto, Rêgo observou que a cartilha lançada em 2018 pela Antaq não contribuiu para a pacificação do tema, pois definiu que os valores de sobre-estadia seriam livremente negociados e que possui dupla finalidade, o de ressarcimento das perdas e danos do transportador marítimo e a de compelir a devolução do contêiner.

“As duas finalidades indicadas induzem ao enquadramento da cobrança em institutos jurídicos diferentes, cada um com os seus efeitos e suas consequências: o ressarcimento das perdas e danos é a finalidade do instituto da indenização e compelir a devolução do contêiner é a finalidade do instituto da cláusula penal”, pontuou.

Para o relator, nem a cartilha nem a RN-18/2017 estipularam a exigência de comprovação dos valores devidos a título de prejuízo ou limitaram a cobrança ao valor do principal (o frete). Tal fato, segundo o ministro do TCU, aumenta a insegurança jurídica no setor e a judicialização da questão, além do aumento do custo final do transporte, ao abrir espaço para cobrança de valores excessivos de sobre-estadia, mesmo que possam vir a ser posteriormente questionados e até cancelados pela atuação da Antaq ou do judiciário.

A Logística Brasil considera que houve omissão da agência na edição de uma norma sem estudos suficientes e que favorece a continuidade de cobranças ilegais e abusivas, com condutas lesivas aos usuários, como práticas de sonegação fiscal.

A associação defende desde 2014 que a solução para a questão da sobre-estadia passa por sua natureza jurídica, respeitando a legislação e a soberania brasileira. A Logística Brasil destacou que o objetivo da denúncia não é impedir a cobrança, mas fazer com que os usuários paguem demurrage em base justas, garantindo a modicidade dos valores praticados, sem a qual não haveria serviço adequado e competitividade da indústria brasileira.

“Em que pese o TCU não ter considerado a Antaq omissa, com todo respeito à Corte de Contas e aos servidores da agência, mas sair da inércia com estudos insuficientes, como ficou comprovado no processo, não é deixar de ser omissa. Como também ficou demonstrado, a Antaq começou a se mexer sobre o tema, de fato, após a denúncia da nossa associação”, afirmou o diretor-presidente da Logística Brasil, André de Seixas.

Procurada pela Portos e Navios, a Antaq informou que a análise realizada pelo TCU teve por base os fundamentos da RN-18/2017. Segundo a agência, posteriormente, foi identificada a necessidade de aperfeiçoamento da regulação, gerando a inclusão na agenda regulatória do biênio 2020/2021 o item 2.2, destinado a desenvolver metodologia sobre abusividade de cobrança de sobre-estadia de contêineres.

“A AIR, exigida por lei, foi realizada pela Antaq e suas conclusões preliminares foram submetidas à audiência pública em 24 de julho deste ano. O processo encontra-se em fase de consolidação do AIR final, e tão logo seja concluído, será encaminhado para deliberação da diretoria colegiada”, informou a agência reguladora em nota.

O advogado Osvaldo Agripino, que representa a Logística Brasil no processo e que atua no setor há trinta anos, viu os apontamentos do TCU como uma ‘puxada de orelha’ ao trabalho da agência reguladora. Ele ressaltou que, antes de encaminhar a denúncia ao tribunal, as questões foram levadas ao conhecimento da Antaq e que a AIR ocorreu após a ida da associação ao TCU. “Parece uma anomalia ter que ir à Corte de Contas dizer o que a agência tem que fazer. Isso não deveria ser recorrente”, comentou.

O autor do livro “Teoria e Prática da Demurrage de Contêiner” (Aduaneiras, 2018), destaca, contudo, que a Antaq vem melhorando a qualidade da regulação e numa curva de aprendizado crescente.

Agripino avaliou que a omissão da Antaq para regular a demurrage de contêineres contribui para que a demora na devolução alcance dezenas de vezes o valor do frete e o valor da carga, mesmo que o usuário não tenha culpa alguma sobre o atraso. Ele citou que, em processos anteriores, a agência preferiu não limitar o valor da demurrage alegando que, sendo uma indenização pré-fixada, não poderia ser comparada a frete, preço ou tarifa, ferindo assim os preceitos de modicidade e prejudicando pequenas e médias empresas.

Para o especialista em Direito Marítimo e Portuário, a discussão da demurrage é tão ou mais importante que o frete.

O diretor-presidente da Logística Brasil acredita que os diversos atores e entidades do setor, incluindo agentes públicos, precisam olhar para eventuais ‘estragos’ causados por armadores ao país, seja por meio das cobranças caras e ilegais, seja por meio de condutas as quais classifica como ‘lesivas’, incluindo sonegação fiscal.

“Esta é a segunda vez que o TCU remete um processo de armadores estrangeiros à Receita Federal. No fim, quem está pagando essa conta é o cidadão brasileiro”, alertou Seixas.

Matéria escrita por Danilo Oliveira e publicada no portal Portos e Navios.

Nota adicional

A Secretaria de Fiscalização de Infraestrutura Portuária e Ferroviária – Seinfra Porto/Ferrovia, determinou prazo de 360 dias para uma AIR que trate da criação de metodologia para controle de abusividade nos valores exigidos de sobre-estadia de contêiner, fundamentando a escolha regulatória adotada com base em estudos e na demonstração de menos prejuízos ao interesse público e do mercado regulado.

Diante do cenário atual, a melhor forma de se proteger e até mesmo reverter cobranças abusivas é através de assessoria jurídica. Busque um escritório especializado para análise de cada caso concreto. A prática de cobranças abusivas é passível de multa.

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